quarta-feira, 9 de julho de 2008

Quando os touros não têm vez, entrevista com Tiago Couto, da SLW/Bahia Partners

Por: Luiz Souza

Após cinco anos de alta, a pergunta que não quer calar vem à tona no mercado financeiro: "A bolsa pode chegar ao hexacampeonato?" - as respostas, como os caminhos do Ibovespa em 2008, ainda são incertas, mas, no curto-médio prazo, é praticamente unanimidade entre os analistas que - "there is no place for bulls", ou seja: previsões de baixa e volatilidade nos próximos meses. Em entrevista à POUPINVE$T, o consultor da SLW/Bahia Partners corretora, Tiago Couto, fala sobre o mercado, suas tendências e perspectivas. Confira a seguir.

PP - A tendência de queda do Ibovespa, registrada no primeiro semestre, deverá continuar? (sei que vc não tem uma bola de cristal, mas podemos falar de perspectivas) - o que está efetivamente puxando a tendência de baixa ? Ainda a ressaca da crise americana?

TC - Sim, as projeções para a bolsa no curto-médio prazo são pessimistas. O investidor deve entender que a bolsa reflete o cenário econômico, e, atualmente, estamos num momento em que as perspectivas econômicas são ruins. Alta dos preços das commodities, subida dos juros, sintomas de recessão na economia americana, inflação generalizada, são fatores que afetam o desempenho das empresas.
Dessa maneira, a partir do momento em que se inicia um processo de aperto monetário para combater a inflação, no formato de subida de juros, as pessoas passam a consumir menos, as empresas a vender menos e os lucros a serem menores. As ações refletem basicamente isso, perspectivas de lucros futuros das empresas. Se o cenário indica que as empresas passarão a ter lucros menores, o preço das ações tenderá a ser menor. Aliado a isso, com a subida dos juros, se torna mais atraente investir em títulos de renda fixa do tesouro nacional, o que leva os grandes investidores a se desfazerem de suas posições em ações para títulos mais seguros com bons ganhos, algo em torno de 9% de juros ao ano mais inflação.
Ainda, vale a pena ressaltar que estamos há cinco anos com ganhos expressivos na bolsa. A grande maioria dos investidores em ações presenciou somente esse período de subidas e recordes, o que é, de certa forma ruim, pois estão habituados a comprar qualquer ação, sem muita análise, e ver a valorização acontecer. Tais investidores, em momentos como o atual, tendem a se desesperar achando que as ações vão continuar caindo sem parar, ao verem parte do seu patrimônio perder valor.
A forma correta para investir em ações não é comprar R$ 10 mil reais de Petrobrás achando que em 3 meses terá R$ 20 mil reais. O investidor de ações que realmente ganha dinheiro na bolsa é aquele que a cada mês, compra R$ 1 mil reais de ações como uma alternativa de poupança. Para tal investidor, períodos de queda como esse são ótimas oportunidades para comprar um pouco mais de ações com o mesmo valor. Daqui a 20 anos, reinvestindo os lucros das suas ações em mais ações, seu patrimônio estará certamente valendo 30 vezes mais que o atual.
Para se ter idéia do que é isso, em 5 de julho de 2004, as ações da Vale estavam cotadas a R$ 9,00. O investidor que vem comprando a cada mês R$ 1 mil reais dessa empresa, não está muito preocupado se hoje elas caíram de R$ 50,00 para R$ 40,00 ele vai continuar comprando seus R$ 1 mil reais da mesma forma, só que ao invés de comprar 20 ações, conseguirá comprar 25 ações, cinco a mais que no mês anterior. É assim que se deve investir na bolsa.

PP - Quais os setores que apontam as melhores perspectivas, e, por outro lado, quais são os que vão sofrer mais neste segundo semestre?

TC - A bolsa vai sofrer uma correção generalizada, algo em torno de 25% a 30% ainda, contudo, setores que pagam bons dividendos, cita-se energia elétrica, serão recompensados, pois as suas receitas são em tese, reajustadas pelo IGP-M. Ainda, acredito que o setor de celulose pode ser interessante. E, sempre ter em vista que Petrobrás e Vale são ótimas ações para se ter em carteira.

Por outro lado, as companhias novatas na bolsa, que abriram capital recentemente, vão ser as que mais vão sofrer. Acredito que os setores ligados ao consumo e companhias que têm como insumo petróleo, já estão sofrendo. As ações das empresas de aviação civil, por exemplo, já perderam em 12 meses aproximadamente 75% do seu valor.

PP - Como vc analisa o desempenho de papéis como Vale e Petrobrás, nestes primeiros seis meses do ano? Dentre as middle caps e small caps, alguma surpreendeu?

TC - Petrobrás e Vale por serem as ações de maior liquidez em nossa bolsa, estão sofrendo bastante com o atual cenário, ou seja, comportamento perfeitamente normal. Contudo, o mundo continuará precisando de petróleo e ferro para prosseguir no seu ciclo de desenvolvimento e elas continuarão a ser lucrativas por alguns bons anos.

Dentre as small caps, as ações da SLC agrícola e JBS (FRIBOI) se destacaram bem em razão da valorização das commodities agrícolas.

PP - Analistas dizem que esta é a pior crise desde o crack de 29, e, pelo menos nos últimos anos, uma crise que tem seu epicentro na economia americana. Este cenário te parece assustador?

Crises econômicas fazem parte da vida dos participantes do mercado financeiro, da mesma forma que doenças fazem parte do dia-a-dia dos médicos. O que realmente importa é a aversão ao risco do investidor e sua capacidade de gerenciar eventuais perdas. Da mesma forma que na época que o Brasil recebeu o investment grade se especulava que a bolsa iria subir até 90 mil pontos, 100 mil pontos, hoje se especula que ela cairá até os 40 mil pontos.

Sendo assim, o que realmente deve ser feito é educar o investidor brasileiro a ser menos especulador e mais investidor, abrir o horizonte para um prazo de 20 anos, e seguir o exemplo do investidor americano, que compra ações para o filho recém-nascido para que com esse dinheiro ele possa pagar sua faculdade.

Por fim, acredito que o atual momento é muito interessante do ponto de vista geoeconômico, pois estamos presenciando a força dos países emergentes (China, Rússia, Índia e Brasil) num cenário de crise nas economias desenvolvidas. Numa análise preliminar, isso indica uma eventual transferência de riqueza global.

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